Escola Superior de Ifá (Èsì)
Curso de Filosofia e Teologia Yorùbá
Módulo Òrìṣà Yemoja
"Através dos seguintes módulos sobre Òrìṣà, os alunos da ÈSÌ poderão ter um enfoque claro e específico sobre alguns dos Òrìṣà mais conhecidos na América. O seguinte material não tem o objetivo de treinar pessoas, e não procura ter a verdade absoluta. É hora de os seguidores de Òrìṣà evoluírem, indo para uma perspectiva verdadeiramente tradicional, entendendo que pertencemos a uma tradição plural, e baseada na oralidade. Portanto, nada pode ser verdade totalitária, mais nada tem que deixar de ser verdade.
Akogun Ifáṣọlá Ajobi Àgboọlà
YEMỌJÁ
Yemọjá é um Òrìṣà muito conhecido, tanto na América, como na terra Yorùbá. Seu culto gira em torno da água, mas em primeiro lugar temos que fazer o primeiro esclarecimento, que servirá para o restante do presente material, Yemọjá é um Òrìṣà de rio, assim com a maioria dos Òrìṣà femininos vinculados ao elemento água.
Isso significa que todo o culto na América esteja errado? Não, claro que não, mas aqui devemos entender as diferenças entre o culto Tradicional Yorùbá, e as tradições nascidas na América, com seus folclores e suas culturas respectivamente. Em quase todos os cultos de Òrìṣà acontece uma readaptação, e isso na minha opinião pessoal, deve ser respeitado, sabendo que, o Candomblé, o Batuque e a Santeria Cubana, têm uma mesma origem, porém não uma origem só. Basta estudar atentamente os conceitos, práticas, e matrizes culturais, para dar se conta da miscigenação de culturas e crenças, nas respectivas práticas.
Esclarecido isso, compreenderemos que nada do que se pratica nos seguimentos de Òrìṣà é errado se tem ancestralidade, o problema começa quando, teorias, pensamentos, crenças próprias, e a desinformação tomam conta para adulterar a sabedoria ancestral.
Odu Ika Fun
O nome deste Òrìṣà pode ser
traduzido como Yèyé ọmọ ẹja “A mãe dos peixes”. Porém, como os outros Òrìṣà,
ela possui outros nomes que, geralmente, têm ligação com sua vida na terra,
poderes, atributos e funcionalidade comunal.
O nome Yemọjá, como tal, é propriamente um nome espiritual, que trata de descrever seu
domínio na água e sua diversidade. Neste aspecto temos que analisar a água como
sendo a que proporciona recursos de habitat para muitas espécies no planeta.
Portanto, Yemọjá num sentido simbólico e representativo,
seria a sustentabilidade que a água proporciona para as comunidades, já que, a
principal característica de um rio saudável, é que tenha peixe.
Tendo compreendido tal conceito, podemos
dizer que, num sentido espiritual, Yemọjá veio ao mundo através da água fresca. Não
no elemento líquido propriamente dito, mas no que a própria água irá
representar para a própria criação.
Por essa razão, um dos nomes mais
conhecidos de Yemọjá é Oluweri, que poderia ser
traduzido como “A chefe que lava as cabeças”. Esse é um sinal claro de que Yemọjá seria a
funcionalidade espiritual da água num sentido amplo.
Ifá fala sobre isso no Odu Ika fun:
Tutu
dodo
Tutu
nini
A
dia fun Oluweri magbeti (Yemọjá)
Igba
n torun bo waye
Ebo
ni won ni ko se
O
si gbebo mbe o rubo
Nje, tutu laa ba Odundun
Tutu
laa ba Tete
Tutu
ni ti Rinrin
Tutu
dodo
Tutu
nini
Ile
oluweri kii gbona
Tradução:
Tutu
dodo
Tutu
nini
Consultaram Ifá para Oluweri
Magbeti (Yemọjá)
Quando vinha do Orun para o Aye
Eles aconselharam
fazer ebo
Ela ouviu e o fez
Agora, o Odundun (uma folha) é
encontrado na frescura
O Tete (Uma folha) é
encontrado na frescura
O Rinrin (uma folha) tem a
frescura
Tutu
dodo
Tutu
nini
A casa de Oluweri nunca é quente
O verso acima explica claramente que
quando Yemọjá veio ao mundo sua contribuição foi a
frescura, mas devemos entender o que de fato é uma vida fresca para a cultura Yorùbá. A frescura é uma forma confortável de viver, onde a conformidade, o
gozo, e a calma são necessárias para ter um conforto com nós mesmos. Foi graças
a Yemọjá ter feito o ẹbọ recomendado, antes
de vir na vida física, que hoje podemos diferenciar o que nos conforta.
Outro nome muito popular de Yemọjá, que refere ao mesmo sentido, é Awoyo, que pode ser traduzido como “Aquela que nos cuida enchendo-nos”, em referência à satisfação. Nesse caso, a última parte da palavra e Yó (Estar repleto e satisfeito). O termo Awoyo é de fato muito conhecido na América, só que aqui se perdeu o autêntico significado literal, e normalmente é atribuído a ter relação com Yọ̀, que seria, estar feliz ou contente, mudando por sua vez, o sentido místico e espiritual do termo.
Odu Irosun Okaran
Se vamos falar da origem de Yemọjá
como Òrìṣà, sempre encontraremos algumas divergências, dependendo das
regiões e até de quem transmite o conhecimento. Isso para quem é seguidor da
cultura de Òrìṣà, não é limitante, pelo contrário, nos ensina a entender
Òrìṣà de muitas formas possíveis, no sentido espiritual, cultural,
social e até pessoal. Entretanto, o mito mais conhecido e aceitado é sobre o
casamento de Yemọjá com Okere.
Sobre isso, Ifá fala no Odu Irosun Okanran assim:
Kawo
fun mi
Ki
n kase fun o
A
dia fun Omi moja elewi
Eyi
ti nse obinrin Okere
Ebo
ni won ni ko se
O
si gbebo mbe o rubo
Nje
da omi moja elewi
Duro
fun mi
Oke
ganga
Oke
ganga
Da
omi moja elewi
Sure
wa owa gbami lowo ajogun
Arira
gagaga
Sure
wa owa gbami lowo ajogun
Tradução:
Me de dinheiro
Tenho saudades de
você
Consultaram Ifá para Omi
moja Elewi
A que é mulher de Okere
Aconselharam que
fizesse ẹbọ
Ela ouviu e o fez
Agora, segura a Omi
moja Elewi
Montanha poderosa
Montanha poderosa
Segura a Omi
moja Elewi
Vem para me resgatar
de todo mal
O raio poderoso
O raio poderoso
Vem para me resgatar
de tudo mal
A história conta que Yemọjá era chamada de Omimoja elewi. Omimoja era seu nome particular, e Elewi seria porque o Ewi Ado (rei de Ado) a haveria pegado como filha e criado. Ela era uma jovem muito bonita e curiosa, que gostava de ir ao bosque para observar a natureza.
Mas um certo dia, encontrou no bosque um
homem que não parecia ser daquela região. Ela perguntou seu nome e ele disse
que se chamava Okere Onisaki “Okere o rei de Saki”. O mito
conta que ali começou um cortejo da parte dele, que durou vários dias, até que um
dia Omimoja Elewi, propôs para Okere ir pedir o
consentimento de seu pai, o Ewi Ado, para assim passar pelos ritos de
matrimônio.
Okere aceitou e foi falar com Ewi Ado. Depois de Ewi
aceitar e abençoar o matrimônio, tanto Omimoja
Elewi como Okere fizeram um pacto de respeito mútuo, Omimoja
pediu para que ele nunca zombasse dos seios dela, já que eles eram muito
proeminentes, em contrapartida, Okere pediu para Omimoja nunca
entrar em um quarto secreto que Okere tinha na sua casa, onde guardava
roupas de guerra e diferentes magias.
Ambos combinaram e aceitaram, até que um
certo dia, Okere deveria ir em expedição de caça, e no meio do caminho,
ele percebeu que iria chover. Se lembrou que a roupa de guerra dele havia
ficado no tempo e não poderia ser molhada pela chuva, ele então decidiu voltar.
Nesse momento Omimoja percebeu que a roupa devia ser levada para dentro
de casa. Então sabendo que o marido não queria que nenhuma mulher tocasse na
roupa nem entrasse no quarto, pegou um pau comprido, e usou para transportar a
roupa para dentro da casa.
Já estando dentro de casa, ela usou o
mesmo pau para mexer a roupa dentro do quarto, porém, sem adentrá-lo. Nesse
momento Okere chegou, e encontrou a Omimoja parada na porta do
quarto, ele embraveceu e começa a insultar lá, zombando inclusive de seus
seios. Omimoja ficou muito humilhada e triste, e nesse momento decidiu
terminar com o matrimônio. Saiu de casa só levando sua bacia com tinta para
tecidos.
Quando Okere foi informado do que
realmente aconteceu, ele foi em busca dela. Omimoja, ao chegar ao um
ponto chamado Oke Ogun, percebeu que seu marido vinha atrás dela, e
virou a bacia com tinta nesse lugar. Nesse momento ela se transformou em rio. Okere
tentou alcança-la, mas ela se esquivou dele.
É por isso que até hoje o rio Ògùn
bordeia as montanhas nessa região, e até os atuais Onisaki (Rei de Saki)
não podem olhar o rio, pois acredita-se que Yemọjá segue ofendida desde
aquele dia.
Odu Iwori Meji
Outra bela história fala da preferência de
Yemọjá pelas crianças, já que, em certo momento ela não podia ter filhos
e era seu único desejo, ela foi consultar Ifá, e o Bàbáláwo
recomendou fazer ẹbọ.
Sobre isso, o Odu Iwori Meji fala
assim:
O
n wo mi, mo n wo o
Ta
lo sehun ninu awa
A
día fun Yemoja ataramagba omose lodo sigidi legbodo
Eyi
to yagan to yo lopaara pelu o romo lehin adie
O
bu puru sekun, o ni eye oko se n bimo juni lo
Won
ni kara nle ebo ni ko se
O
si gbebo o rubo
Ko
o pe ko o jina
Ka
wa bani ni jebutu omo
Tradução:
Você me olha, eu te
olho
Que tem a culpa
entre nós?
Foram os que
consultaram Ifá para Yemọjá
Ataramagba
omose lodo sigidi legbodo (Oriki)
Ela viu muitas
nascentes de água detrás de uma galinha
E ela gritou porque
uma galinha teria mais nascentes que ela
Eles aconselharam
fazer ebo
Ela ouviu e o fez
No final ela foi abençoada com muitos filhos
Nessa história, foi recomendado à Yemọjá
fazer ẹbọ com muitos potes brancos e comida feita a base de vegetais.
Ela fez tudo conforme os Bàbáláwo disseram. Não passou muito tempo até
que um certo dia, ela começo a ter muitos filhos, um após o outro.
Ela guardava cautelosamente os potes
brancos num lugar especifico da casa, mais um dia seus filhos brincando pertos
dos potes, quebraram a maioria de eles. Os demais presentes no momento pensaram
que ela iria enfurecer.
Nesse momento Yemọjá foi avisada do
que havia acontecido, e foi rapidamente até o lugar, na hora de ela chegou e
viu todos seus filhos brincando fez com que ela ficasse muito feliz. Desde
aquele dia, se fala um Oriki, Yemọjá Awoyo olomo agba sere
que seria traduzido como “Yemọjá aquela que olha nossa satisfação, a
ancestral mãe que fica alegre”.
Odu Osa Bara
Yemọjá na terra Yorùbá é tratada com muito amor e carinho, como
se fosse a mãe que tudo perdoa de seus filhos. Mas alguns sacerdotes falam que
ela pode as vezes ser severa com seus seguidores, já que ela pode perdoar
erros, mais nunca a malícia.
Como componente litúrgico em seu culto, podemos observar que ela é um Òrìṣà Funfun, onde predomina o branco em seus rituais e Ojubo. Yemọjá de fato gosta de comida branca, como por exemplo, o Iyan (Massa batida de Inhame), egbo (Milho branco cozido), Ekuru funfun (Pudim de feijão sem condimento). Em seus templos sempre acharemos potes com água do rio, muitas vezes pintados com Efun.
Sobre algumas das preferências de Yemọjá,
Ifá ensina no Odu Osa Bara assim:
Osa
bara muta
A
dia fun Onisanganhin
Omo
agbon ibu nla sowo
Igba
ti n fomi soju sugbere aje
Ebo
ni won ni ko se
O
si gbebo mbe o rubo
Nje,
bo riyan a njo
Yemọjá!!!
Bo
ragbo a nyo
Yemọjá!!!
Yemọjá ni ogun n gbe
Onisanganhin bi ota romi
Tradução:
Osa
Bara
muta
Consultou Ifá para Onisanganhin
O filho de quem pega
água da nascente para ter muito dinheiro
Quando ele se
lamentava de não ter riqueza
Foi recomendado a
fazer ẹbọ
Ele ouviu e o fez
Agora, se eu vejo Iyan estou dançando
Yemọjá!!!
Se eu vejo um carneiro
estou feliz
Yemọjá!!!
Yemọjá é a medicina que bendisse ao Onisanganhin como o rei da água.
Seguramente a última parte desse verso de
Ifá vai soar muito familiar para quem faz parte do culto de Yemọjá,
já que é um canto bastante conhecido.
“Yemọjá baale odo omi lola ko kii won nile wa”
Eepa Omi ooo
“Yemọjá
a chefe do rio, a água da prosperidade nunca falta na nossa casa”
Viva
a Água
Akogun Ifáṣọlá Ajobi Àgboọlà
BIBLIOGRAFIA
AWODIRAN; A. Ifá, Ohun enu Olódùmarè
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POPOOLA: S. Ifá Dida an Invitation to Ifá Divination, vole 1
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VERGER; P. Notas Sobre O Culto Aos Orixás E Voduns
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DOS SANTOS; E. Os Nagô e a Morte: Pàdé, Àsèsè e o Culto Egún na Bahia Juana
FATUMBI; F. Oríkìs Òrúnmìlá
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* Notas Sobre O Culto Aos Orixás E Voduns
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* OS NAGÔ E A MORTE Pàdé, Àsèsè e o Culto Egún na Bahia
Juana Elbein dos Santos.
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Falokun Fatumbi
*Ifá a complete divination
Ayò Salamy
*Mitologia dos Orixás Africanos 1
*Ogum – Dor e Júbilo (nos rituais de morte)
SIKIRU SALAMI
*Dicionário Yorùbá (Nagô) Português
Eduardo Fonseca Júnior
*A Enxada e a Lança
Alberto da Costa e Silva
“Não me pergunte o que Ifá está fazendo por você sem que você saiba me dizer, o que você está fazendo pelo Ifá!”
Olúwo Ifábaíyin Awolola Agboola
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